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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Sete da Manhã Final

 


Os meses se passaram sem maiores acontecimentos significativos. Logo, o ano letivo estava prestes a terminar. Arthur se encontrava sentado observando Lua  arrumar algumas flores de plástico sob uma das mesas do ginásio, que estava totalmente decorado em tons de branco, azul e prateado. 

- Você podia me ajudar, né? 
- Por quê? Eu não sou da comissão de formatura... – O garoto se espreguiçou e sorriu. 
- Eu me pergunto todos os dias porque diabos me inscrevi nisso... – Ela suspirou. 
- Atividade extracurricular para ajudá-la a passar de ano? 
- Ah, sim, isso... Obrigada por me lembrar –  Lua  revirou os olhos e ele voltou a sorrir. 
- Você está fazendo um bom trabalho. Está tudo ficando lindo – Arthur informou enquanto olhava cada detalhe ao redor – O baile vai ser perfeito. 
- Espero que sim... – Ela não passou muita certeza enquanto se jogava numa cadeira ao lado dele. 
- Você vem? – Arthur perguntou se ajeitando pra poder vê-la de frente. 
- No baile? Claro que não. 
- Você fez tudo isso e não vai querer ver o resultado? 
- Não. Não venho e fim, você já sabe disso. 
- Se você me der três bons motivos eu aceito. Ou ficarei te atormentando cada segundo até amanhã à noite! – Arthur sorriu sapeca. 
- Hm, deixe-me ver... Um: eu não tenho par. Dois: eu não tenho roupa... – Ela enumerava nos dedos, sem dar realmente importância nenhuma àqueles fatos, estava simplesmente procurando quaisquer motivos – E três: eu não tenho vontade. 
- Um: você vem comigo. Dois: eu compro uma roupa pra você como presente antecipado de... Natal. E três... Tem como não ter vontade de estar ao meu lado? – Ele ergueu as sobrancelhas e ela não pôde deixar de rir. 
- Você não vai me convencer, Aguiar... 
- Ah, eu vou... 
- Eu te odeio! 
- Eu também te amo – Ele riu assim que ouviu as palavras de  Lua . Mas logo ficou sem reação, ao vê-la com o vestido lilás, os cabelos cacheados e a maquiagem realçando a beleza de seu rosto – Nossa, você está linda! 
- Não pense que vai me convencer com esse papo furado, Arthur Aguiar – Ela cruzou os braços e tentou fazer cara de má. 
- Você disse a mesma coisa ontem à tarde... 
- Vamos antes que eu me arrependa, pode ser? –  Lua  respondeu depois de uma pausa, fechando a porta de sua casa. Arthur estendeu o braço e ela aceitou. 
O colégio já estava bastante movimentado. Os dois entraram, ainda de braços dados, no ginásio, que estava ainda mais bonito do que no dia anterior. As pessoas se divertiam e a garota sentiu-se orgulhosa por fazer parte daquilo, se esquecendo por um momento dos motivos de não querer estar ali. 
- Olá, Aguiar! – Um dos amigos do garoto cumprimentou. Estava acompanhado de uma menina que  Lua  não reconheceu e parecia um pouco bêbado. – Olá, menina! 
- Oi, menino... – Ela riu. Haviam se acostumado a se tratarem assim. 
- Pensei que você não viria... Achei que te lembraria do... 
- Cala a boca, Rodrigo – Arthur interrompeu antes que ele completasse a frase – Quer dançar,  Lua ? – Acrescentou para que o outro não pudesse falar nenhuma besteira. Ela aceitou, desconfiada. Estava achando cada vez mais estranho o tratamento do menino para com os amigos na frente dela, parecia querer esconder alguma coisa. Mas preferiu não comentar nada, não era muito diferente do que ela mesma fazia. 
A música que tocava era lenta. Quando se aproximaram do palco onde uma banda tocava ao vivo, Arthur segurou, sem jeito, a menina pela cintura. Ela colocou as mãos nos ombros dele e apoiou a cabeça em seu peito. Ficaram apenas assim, em silêncio, até ouvirem uma voz que dizia: 
- É um prazer muito grande estar aqui com vocês! – Era o vocalista do grupo, falando ao microfone. Ao dizer aquelas palavras, as pessoas ali presentes aplaudiram – Infelizmente, por motivos de força maior, a banda que tocaria cancelou a participação. Mas faremos o possível para não deixar a desejar. Vamos lá! 
Começaram a tocar uma música mais animada. Lua  e Arthur, porém, não se moveram. Pelo contrário, ela o abraçou com força. 
- Está tudo bem? – O rapaz se surpreendeu. 
- Aham... – Ela murmurou, mas o apertou ainda mais. Era estranho ver aquela cena em meio a todas as pessoas dançando e gritando, mas eles não se importavam. Na verdade, mal percebiam. – Vamos beber alguma coisa? –  Lua  perguntou de repente, se afastando e puxando-o pelo braço, sem esperar a confirmação. 
- Você não acha que isso é muito forte pra você? – Arthur perguntou vendo a garota virar a bebida que pedira em um só gole. 
- Você não acha que esse baile deveria ser somente para os formandos? – Ela ignorou o comentário dele. 
- Se fosse nós não estaríamos aqui, né? 
- Eu adoraria não estar aqui... –  Lua  foi grossa, mas ele pôde perceber a pontinha de tristeza na voz dela – Mais uma – Pediu ao barman, sentando-se ali. 
Arthur fez o mesmo, apoiando a cabeça nos braços sob o balcão do barzinho. Não queria brigar com  Lua  agora, não estava se sentindo muito bem. A cada segundo achava ainda mais péssima a idéia de ter insistido em trazê-la aquele baile. Estava tentando enfrentar os seus medos e ajudá-la a fazer o mesmo. Mas não estava conseguindo. 
- Chega, Luinha... – Ele pediu tirando o copo da mão da garota na terceira ou quarta vez. Bebeu por ela e o colocou bem longe de seu alcance.  Lua  fez bico e cara de choro. 
- Sabe por que eu não queria vir nesse baile? – Ela perguntou – A banda do meu ex-namorado iria tocar... 
- Sério? – Ele tentou parecer interessado. 
- É... E ele tinha me prometido que nesse dia iria me apresentar pros amigos dele. Eu nunca entendi porque ele tentava me “esconder” dos amigos... E nunca vou saber – Ela mordeu o lábio, tentando segurar as lágrimas. Arthur bateu a cabeça com força no balcão, odiava mentir pra ela – O que foi? – Ele não respondeu – Ok, então eu vou voltar a beber. 
- Legal, eu te acompanho... – Ele se manifestou finalmente. Ficaram ali algum tempo. Lua  bebendo demais, Arthur apenas um pouco, passando a maior parte do tempo observando-a. 
- Não é engraçado? - De repente, a menina começou a rir. 
- O quê? 
- Não sei – Ela riu ainda mais. Arthur suspirou. 
- Não é melhor a gente ir embora? 
- Ah, agora que a festa ta começando a ficar boa? – Ela pulou da cadeira e começou a sacudir os braços, numa dança muito estranha. 
- É pro seu bem... – Arthur segurou a menina com força pelo braço, que parou imediatamente. Estava meio zonzo, sem muita certeza do que fazia, mas ainda tinha um mínimo controle de seus atos, ao contrário dela. 
- Você é muito chato! 
- Obrigado - Ele a puxou.  Lua  não estava em condições de protestar muito mais. Foram caminhando até a casa dela. A garota meio cambaleante e rindo sozinha, o garoto ainda a segurando e olhando para o chão. 
- Tome um banho e vá dormir, ok? Amanhã eu te ligo... – Arthur falou quando chegaram. 
- Ah, você já vai? – Ela ficou triste de repente e se jogou nos braços dele – Por favor, não me deixe aqui sozinha... 
- Eu tenho que ir... – O rapaz retribuiu o abraço, mas ao dizer aquelas palavras, Lua o soltou. 
- Não tem não! – Ela disse séria, se aproximando. Antes que ele pudesse perceber o queLua  pretendia fazer, ela já o beijava. Arthur quase caiu quando sentiu o peso do corpo dela sob o seu, suas mãos segurando seu rosto com força. Ela o beijava intensamente, com muita paixão. Ele estava totalmente extasiado, se a garota soubesse o quanto ele esperara por aquele momento... Mas não daquela forma. Segurou a menina com cuidado pelos ombros e se afastou. 
- Você não tem noção do que está fazendo, Luinha... Depois vai se arrepender – Virou-se para ir embora, mas ela impediu. 
- Por que acha isso? Eu quero... –  Lua  dava beijinhos no pescoço do garoto, que já não tinha mais certeza sobre aquele mínimo controle de seus atos. 
A garota abriu a porta atrás de si aos tropeços, sem parar de beijá-lo. Entraram e assim seguiram pelo caminho até o quarto dela, trombando e até mesmo derrubando coisas, sem se preocupar que a mãe de  Lua  estava em casa e poderia ouvir alguma coisa. Chegaram ao quarto, mas a menina se enroscou em algo jogado no chão, que ela não pôde ver devido à falta de iluminação, e caiu, levando Arthur consigo. 
- Tudo bem com você? – Ele perguntou, bem próximo ao rosto dela, com uma pontinha de preocupação e de lucidez. Ela não respondeu, apenas voltou a gargalhar – Ok, a gente já foi longe demais, melhor eu ir embora... – Arthur completou tentando sair de cima da garota, mas ela o segurou pela frente da camisa. 
- Não, você não vai... – Disse séria, puxando-o com força e voltando a beijá-lo, enquanto começava a desabotoar a sua blusa. Arthur não conseguia mais resistir. Desceu a mão pelos braços dela, passando pelo pescoço e muito perto dos seios, parando em sua cintura e trazendo-a mais pra perto.  Lua  terminou de tirar a camisa dele e se dirigiu a calça, desabotoando-a também e abaixando o zíper lentamente. Em seguida parou, mordendo o lábio e olhando-o de forma maliciosa, como se perguntasse se deveria continuar. O rapaz respondeu ajudando-a a tirar o vestido, rapidamente. Apenas de roupas íntimas, a garota se virou, ficando por cima dele. Logo, elas estavam jogadas com as outras peças de roupa, pelo chão do quarto, confirmando que decididamente Arthur perdera aquele certo controle de seus atos
Arthur acordou não muito tempo depois, com uma leve dor de cabeça. A dor pareceu se multiplicar, no entanto, quando as imagens do que acontecera horas antes começaram a voltar a sua mente. Respirou fundo e abriu os olhos finalmente, constatando que tudo não havia sido um sonho. 
Sentou-se e sentiu o quarto girar. Sabia que não era efeito da bebida, não havia bebido tanto, mas preferiu acreditar nisso. Tocou carinhosamente o braço da garota estendido sobre sua cintura, e segurou sua mão com força, enquanto tentava organizar os pensamentos. Lua  se mexeu, mas não acordou. Arthur então aproveitou para se levantar. 
A luz do sol já entrava pela janela iluminando o local. Arthur pegou um lençol e cobriu a garota. Pensou em colocá-la na cama, mas teve medo que ela acordasse. Depois começou a procurar suas roupas e vestiu-se. Caminhou lentamente até a porta que levava ao banheiro, lavou o rosto na pia e encarou seu reflexo por alguns segundos no espelho. Não pôde continuar por muito tempo. Voltou ao quarto e sentou-se novamente no chão, num canto, encostado à parede e abraçando os joelhos. Apenas conseguindo pensar o quanto era idiota. 
Arthur não saberia dizer quanto tempo ficou ali. Pensou em ir embora, mas seria ainda mais cafajeste de sua parte deixar a menina sozinha e sem entender nada. E queria dar explicações a ela, mesmo que ainda não soubesse quais. Estava tentando encontrá-las, quando ouviu um grito. Virou-se para encontrar uma  Lua  com o olhar extremamente assustado, enquanto segurava o lençol na altura do peito e encolhia as pernas. 
- Arthur... O que houve? – Ela perguntou com a voz extremamente trêmula, assim que reconheceu o rapaz. 
- Você... não lembra de nada? – O garoto perguntou sem olhá-la. Não sabia se era capaz de, além de tudo, contar o que acontecera. 
Lua 
 ficou em silêncio algum tempo, enquanto seus olhos enchiam-se de lágrimas, lentamente. Ela estava lembrando. 
- Eu não posso acreditar nisso... – A garota parecia tentar convencer a si mesma dizendo aquilo, enquanto o choro se intensificava. 
- Por favor, não fique assim... – Arthur pediu sem saber o que fazer, tinha medo de se aproximar. Mas ver aquela cena doía demais. 
A menina chorava mais a cada segundo. Apesar de tudo, Arthur nunca a vira daquela forma, assustada. Encaminhou-se até ela com cuidado e quando estava a uma distância suficiente, a abraçou. Esperava uma reação adversa, que a garota o batesse, xingasse, o mandasse sumir da sua frente e nunca mais aparecer. Mas ela retribuiu o ato, passando as mãos na cintura dele e apertando. Arthur a sentia tremer, as lágrimas molhando sua blusa... 
- Desculpa... 
A garota se soltou do abraço para olhá-lo e esboçou um sorriso. 
- Você não tem porque pedir desculpa... 
Aquilo só o fez sentir-se ainda mais culpado. 
Os dias que se seguiram àquela noite não foram nada agradáveis. Com o início das férias e devido aos últimos acontecimentos  Lua  e Arthur se encontravam raramente. Falavam-se mais por telefone, e as conversas não eram como antes. Assim como os encontros. Nada de longas conversas, risadas e brincadeiras. Pareciam estar com vergonha um do outro, com medo de encararem, de enfrentarem os fatos. 
- Ah, oi, Arthur! Tudo bem? – A garota pareceu surpreendida ao ver o garoto parado ao lado de fora de sua casa. 
- Tudo, na medida do possível... – Ele sorriu levemente, dando os ombros, mas sem tirar as mãos do bolso do casaco – E com você? 
- Também – Ela não teve tanto sucesso ao forçar um sorriso de retribuição. Apressou-se em dizer – Mas vamos, entre! 
- Não, não... – Arthur respondeu rapidamente e  Lua  interrompeu o movimento – Eu vim te chamar pra dar uma volta... 
- Não acho que seja uma boa idéia... 
- A gente precisa conversar – Ele falou sério e os dois pararam por um minuto. 
- Ok –  Lua  concordou relutante. Sabia que era necessário o que não queria dizer, que gostaria que aquela conversa acontecesse – Vou buscar minha bolsa e já volto. 
Pouco tempo depois ela estava de volta, com o capuz da blusa na cabeça e a bolsa pendurada no ombro. Andaram em silêncio até um parque no caminho entre a casa da menina e o colégio deles. Arthur sentou-se na grama, mas  Lua ficou estática. Aparentemente só percebera onde estavam naquele momento. 
- Eu não gosto daqui... – Ela falou insegura, olhando para os lados. 
- Eu imaginava isso – Arthur respondeu olhando-a diretamente – Exatamente por isso estamos aqui. 
- Ok, você está me deixando com medo... – A garota cruzou os braços e deu um passo para trás.
- Não fique... – Ele sorriu sinceramente. 
- O que você quer de mim? 
- Sua felicidade... – Novamente ele passou uma sinceridade incrível nas palavras – É tudo que eu quero e é tudo que eu tento há muito tempo, mas parece que... Tudo só piora. 
Lua 
sentiu as pernas fraquejarem e desmontou no chão ao lado dele. Deitou-se e ficou observando o céu. Arthur fez o mesmo. 
- Desculpa por eu ser essa pessoa tão... – Ela começou a falar depois de um tempo – Chata. Tudo que você tem feito nesses últimos meses foi tentar me ajudar e eu nunca nem te agradeci. Só fui uma companhia extremamente desagradável... 
- Pelo contrário, eu passei momentos maravilhosos com você. 
- Ah, qual é, Arthur? Às vezes nem eu me agüento... – Ela sorriu e virou a cabeça para o lado, para vê-lo. Viu que o garoto já a observava. 
- Sério – Ele falou simplesmente. 
- Então, sobre o que a gente ia conversar mesmo? –  Lua  voltou a olhar pro alto. 
- Sobre esse clima terrível que ficou entre a gente depois da noite do baile – Arthur foi direto. Pôde perceber as bochechas da menina corarem levemente – Eu sei que nenhum de nós dois quer que ele permaneça, mas sei também que é inevitável. Mas o que poderíamos fazer agora, Luinha? Aconteceu... – Ele parecia ter dificuldade em falar. Acrescentou – E pra completar, sei que absolutamente nada do que eu estou falando está ajudando. 
- Você é um amor, sabia, Arthur? – Ela falou baixinho, em seguida respirou fundo – Eu não quero que as coisas mudem entre a gente por causa do que aconteceu... Eu não consigo mais imaginar minha vida sem você... –  Lua  fez uma pausa – Acho que com o tempo tudo vai ficar bem... 
- Claro... – Ele concordou, mas sem ter realmente certeza. 
Passaram mais algum tempo em silêncio, até o rapaz se manifestar novamente. 
- Posso te fazer uma pergunta? 
- Pode –  Lua  estava esperando por aquilo, tinha certeza que sabia sobre o quê ele iria questionar. 
- O que houve com teu pai? 
- Meu pai? –  Lua  repetiu sem entender. Não era sobre isso que ela estava pensando. 
- Sim... Você nunca fala nada sobre ele... 
- Bem, eu não conheci meu pai... Ele abandonou minha mãe quando ela estava grávida e nunca mais deu notícias, fim –  Lua  deu um tom de encerramento ao assunto e Arthur murmurou um “hm” – Mas agora diga, o que você queria realmente perguntar? 
- Por que acha que não era isso? – Arthur sorriu sapeca, virando o corpo de lado para poder olhá-la melhor. Ela continuou na mesma posição. 
- Porque não era, oras. Eu te conheço, Arthur Aguiar. 
- Ok – Ele se ajeitou e esperou que ela o olhasse para completar – Eu só queria saber se você ainda confiava em mim a ponto de falar sobre coisas... não tão agradáveis. Que você não gosta de falar. 
- Estou entendo aonde você quer chegar... –  Lua  ergueu uma sobrancelha – Esse parque, meu ex-namorado... Eu acho que você sabe mais do que eu acho que você sabe... 
- Talvez... – Arthur respondeu depois de pensar no que ela havia tido – Seu ex-namorado, sim, é sobre ele que eu quero falar... O que aconteceu, Luinha? – Ele perguntou com cuidado. 
Ela apoiou a cabeça sob um dos braços, estava virada na direção de Arthur, mas olhava para longe, aparentemente sem realmente ver o que olhava. O garoto esperou pacientemente ela começar a falar.
- Ele morreu –  Lua  disse simplesmente. 
- Você nunca falou disso com ninguém, né? – Arthur perguntou, ainda cuidadosamente e viu a menina balançar a cabeça, confirmando que não – Eu sei que é difícil, mas talvez te ajudasse contar. Não guardar tudo isso só pra você, sabe? Eu estou aqui pra te ouvir... 
- Adoro esse parque, principalmente no outono... –  Lua comentou com um sorriso infantil, erguendo uma folha seca na altura dos olhos e em seguida assoprando-a e vendo-a voar.
- Você já disse isso... – O garoto riu.
- Não canso de repetir... – Ela fez bico enquanto se ajeitava nas pernas do rapaz, onde estava deitada. Ele começou a acariciar os cabelos dela.
- Não acha que é melhor nós irmos, Luinha? São quase sete da manhã, vamos chegar atrasados na escola...
- Ah, quem se importa? – A menina fez uma carinha maliciosa – Podemos entrar na segunda aula, prefiro mil vezes ficar aqui com você...
- Matar aula, mocinha? Que coisa feia! – O menino fingiu uma cara de desaprovação. Ela se levantou e se sentou ao lado dele, o abraçando.
- Você também não prefere estar aqui comigo?
- Você tem dúvidas? 
Lua  o abraçou ainda mais forte. Como gostava daquele garoto...
- Eu queria que esse momento pudesse durar pra sempre...
- Esse momento não pode durar pra sempre, mas podemos pra sempre ter momentos como esse – Ele sorriu.
- Hm... É uma possibilidade... – Ela sorriu também e os dois se beijaram.
- Desculpe interromper o casalzinho... – Eles se separaram rapidamente, devido ao susto. Um homem alto, de chapéu e óculos escuros estava parado ao lado deles. Sua mão estava dentro do casaco, porém ele prontamente a tirou de lá, apontando uma arma -... mas a menina vem comigo, agora! E nada de gritar, mocinha... – Acrescentou ao ver a expressão no rosto de 
 Lua .
- Olha, amigo, calma... – O menino levantou as mãos, tentando manter a tranqüilidade – O que o senhor quer? Pode levar tudo...
- Eu já disse que quero a menina! – Ele respondeu irritado, olhando a garota com uma expressão extremamente tarada. Segurou o braço dela com força e puxou, ainda apontando a arma – Vem!
- Não! – O rapaz entrou entre eles, sem se importar com o resto do mundo, a única coisa que lhe importava era proteger aquela garota.
- Saia da frente ou eu atiro!
- Tudo bem, amor... Vai ficar tudo bem... – 
 Lua  não controlava as lágrimas e era evidente que não acreditava no que dizia, mas tentava impedir o menino de fazer uma loucura. Mas não conseguiu.
- Sai da frente!
- Não! Você não vai encostar um dedo nela.
- Sai da frente, é a última vez que eu peço!
- NÃO! 
Lua fechou os olhos assim que ouviu aquele barulho, alto, extremamente alto. E então gritou, com todas as forças.
Ouviu vagamente o barulho de passos, alguém corria. Sentiu algo cair aos seus pés. Mas não tinha coragem de abrir os olhos, apenas chorava e continuava a gritar.
Alguém se aproximou. Uma mulher. Segurou 
 Lua  pelos ombros e disse alguma coisa sobre tudo ficar bem e pediu calma. Exclamou algo como “Oh, meu Deus!” e saiu dali avisando que chamaria uma ambulância.
A garota não conseguiu mais se manter em pé e caiu. Abriu os olhos devagar.
- Chay... Por favor, não me deixe... Agüenta, você vai conseguir...
Sem perceber ela segurou a mão dele sob o peito. Pôde ver pela última vez aqueles olhos, agora sem aquele brilho intenso de sempre. Pôde ver pela última vez a tentativa de um sorriso. Antes de tudo acabar.
Ela voltou a gritar, sem conseguir controlar os soluços. Levou as mãos trêmulas ao rosto e só então viu o sangue que havia nelas.
 
- Por que você está chorando, seu bobo! –  Lua  riu, entre lágrimas, vendo Arthur no mesmo estado que ela. 
- Eu preciso te contar uma coisa... – Ele respondeu com a voz falha, tentando se recompor, sem muito sucesso – Eu sabia que o Chay era o seu namorado... Eu o conhecia e sabia... o que tinha acontecido com ele... 
- E eu desconfiava disso... – A garota deu de ombros – Eu não sou tão idiota, Aguiar... 
- Mas tem algo que eu acredito que você não saiba... 
- O quê? – A menina pareceu confusa, enquanto enxugava o rosto. Arthur ao contrário, tinha desistido disso. 
- Eu não apenas o conhecia... Chay Suede era o meu melhor amigo... – Ele teve medo ao ver a expressão que surgiu no rosto dela, mas estava decidido a contar tudo – Rodrigo, Micael, Chay e eu... Éramos muito amigos, a gente tinha uma banda... Era a gente que ele ia te apresentar no dia do baile... – Ele deu um sorriso triste, enquanto a garota voltava a chorar descontroladamente. 
- Eu não posso acreditar nisso... Por que você mentiu esse tempo todo, Arthur? 
- Eu sabia o quanto você estava sofrendo, eu também estava... Eu queria ajudar, mas contando a verdade eu achei que só pioraria as coisas, entende? 
- Não, eu não entendo! – Ela se levantou irritada, falava aos gritos – Você me enganou, todo esse tempo você... me usou
- Por favor, Luinha... Você está chateada e eu compreendo, mas você sabe que não é assim... – Ele pediu, levantando-se também e se aproximando. Ela se afastou. 
- Fique longe de mim! Por que, Arthur? Por que você fez isso? 
- A verdade não importa agora e só vai piorar tudo, mas se você realmente quiser saber eu falo... 
- É o mínimo que você poderia fazer depois de tanta mentira – Ela estava realmente brava. 
- Por que eu sempre fui apaixonado por você – Arthur foi direto – Desde antes de você e o Chay começarem a namorar. Ele sabia disso, sempre soube. Mas gostava de você também e você gostava dele. Eu apoiei o relacionamento de vocês, falei que te esqueceria. Mas não esqueci, e essa é a parte que ele não sabia. O Chay mantinha você afastada de nós exatamente por isso. Ele achava que seria tudo mais difícil se nós estivéssemos próximos. 
- Você está falando... sério? – Ela perguntou totalmente perdida e o garoto confirmou com um sinal. 
- Ele acreditava que eu não gostava mais de você... Então ia “apresentar” a gente como se eu não estudasse na sua sala desde o primeiro ano. Mas você nunca tinha reparado na minha existência mesmo, né? 
Lua 
 não respondeu imediatamente. Quando o fez, foi aos gritos novamente. 
- Você é pior do que eu pensava! Então você só se aproximou de mim por interesse? 
- Claro que não! A única coisa que me importava era te ver feliz de novo, não ficar contigo... 
- E aquele dia do baile... Você não estava bêbado, né? Você queria... 
- Você está entendendo tudo errado... – Arthur o olhou com súplica. Não sabia mais o que dizer ou fazer. 
- Nossa, eu não esperava isso de você, Arthur, não mesmo! Eu... Eu te odeio! – Ela gritou em meio choro, antes de sair correndo. 

Lua 
 não apareceu na escola no primeiro dia de aula do terceiro ano. Arthur havia passado muito tempo tentando localizá-la, mas ela não o recebia em sua casa e nem atendia suas ligações. A mãe da garota sugeriu que ele desse um tempo até tudo se acalmar, e ele tentou. Porém a garota simplesmente havia desaparecido da sua vida nas últimas semanas. O rapaz acreditava que com o início das aulas essa situação mudaria, já que querendo ou não, eles acabariam se encontrando. Mas Lua  também não apareceu no segundo dia. 
Começando a ficar preocupado, Arthur resolveu esperar pelo terceiro, e se ela não fosse à escola, o que acabou de fato acontecendo, ele procuraria informações com o diretor, já que nenhuma outra pessoa parecia tê-las. 
O diretor o recebeu simpático, porém foi difícil convencê-lo a contar o que estava se passando. Ele alegava não poder dar informações pessoais dos alunos sem autorização. Só depois de muita insistência de Arthur, ele entrou em contato com a mãe da garota. 
O rapaz saiu da escola imediatamente ao saber onde  Lua  estava. 
- Senhora Blanco? – Ele chamou baixinho ao avistá-la, sentada na sala de espera. 
- Olá, Arthur... – Ela esboçou um sorriso. 
- Por favor, diga que a Luinha está bem... 
- Ela está sim, querido – A mulher ficou comovida com a preocupação sincera do menino. Viu-o respirar aliviado. 
- O que houve exatamente? – Ele perguntou sentando-se ao lado dela. 
- Foi só um mal estar... A  Lua  não se sentiu bem e acabou desmaiando. A situação só se agravou por ela ter caído sob uma mesa de vidro, que acabou se quebrando e... machucando-a. Mas como eu disse, ela está bem, apenas repousando agora. 
- Eu posso vê-la? Quer dizer, se isso não for incomodá-la, eu... não sei se ela gostaria de me ver... – Arthur olhou pra baixo, e a mulher colocou uma mão sob os ombros dele. 
- Ela perguntou de você assim que acordou... 
- Sério? 
- Sério... A  Lua estava muito tristinha por estar brigada com você. Ela só estava evitando falar contigo, pois precisava de um tempo só dela, entende? Pra colocar os pensamentos em ordem... 
- Eu entendo perfeitamente... – Ele sorriu triste e se levantou, apontando para o corredor do hospital – Posso ir? 
- Eu gostaria de te fazer uma pergunta antes, Arthur... Uma pergunta realmente pessoal, mas... É necessário – Ela ficou séria de repente. 
- Pode perguntar... 
- Você dormiu com a minha filha? 
Arthur abriu e fechou a boca várias vezes. As palavras haviam simplesmente sumido. Sentiu-se envergonhado e com medo da reação daquela mulher. 
- Sim, senhora – Respondeu sem encará-la. 
- Não precisa ficar assim... – Ela sorriu e ele ergueu o olhar levemente – Eu tinha certeza disso... – Sua expressão mudou de repente novamente, suspirou – Mas então, eu tenho uma péssima notícia pra te dar... A Lua ... estava grávida. 
- Estava? – Ele repetiu sem entender. As coisas não pareciam fazer o mínimo sentido para ele. 
- Acredito que nem a  Lua sabia disso... – A mulher fez uma pausa – Mas ela perdeu o bebê nesse... acidente. 
Arthur sentiu as forças das suas pernas as abandonarem e foi obrigado a sentar-se novamente. Ambos ficaram em silêncio enquanto ele tentava assimilar as informações. Uma lágrima solitária escorreu pelo seu rosto. 
- Sinto muito... – A mãe da garota falou ao vê-lo naquele estado. 
- Tudo bem... – Ele falou se levantando, engolindo em seco. 
- Ela ainda não sabe, ok? – A mulher avisou e ele assentiu. Completou – Vai lá, ela ficará feliz em te ver. 
Arthur agradeceu e seguiu vagarosamente em direção ao quarto indicado pela mãe de  Lua . Bateu na porta e entrou. 
- Com licença? 
- Arthur? – A menina se surpreendeu ao vê-lo – Entre...
Ele o fez, fechando a porta atrás de si e se aproximando da cama. Deu um beijo na testa da garota, que sorriu. Perguntou: 
- Como você está? 
- Hm, em que sentido? – Ele fez uma careta – Fisicamente estou bem, apenas com uma dorzinha que mais incomoda do que realmente dói, aqui – Ela colocou a mão no lado direito da cintura – Psicologicamente um pouco menos bem, mas eu vou sobreviver – Sorriu novamente – E você? 
- Ignorando o sentimento de culpa e... Ignorando a imensa falta que você me fez esses dias... Estou ótimo. 
- Eu também senti sua falta, de verdade... Cara, eu disse coisas terríveis pra você na última vez que nos vimos... Desculpe. 
- Como eu poderia resistir a essa carinha? – Ele riu, sentando-se na cama ao lado dela e segurou sua mão – Ainda assim acho que quem tem que pedir desculpas sou eu... 
- É, você deveria fazer isso mesmo – Ela fez bico. 
- Desculpe... Desculpe por ter mentido, por ter te feito sofrer... Eu sinceramente não queria que as coisas acontecessem como aconteceram, mas eu sou um idiota. Pois é, desculpe também por eu ser um idiota. 
- Não sei se sou capaz de te perdoar... –  Lua  o olhou maldosa. Não tinha muito talento pra se fingir de má, no entanto, e tudo que conseguiu foi arrancar uma risada do garoto – Eu gosto pra caramba de ti – Acrescentou e em seguida o abraçou. Quando se soltaram ela perguntou – Como você soube que eu estava aqui? 
- Eu interroguei cada pessoa que te conhecia até que conseguir informações chantageando o diretor... 
- Como você é mau... – Ela deu um tapa de leve no braço dele – E minha mãe te contou o que aconteceu? – Ele confirmou com a cabeça – Até sobre o bebê? 
Arthur ficou estático. 
- Essa expressão assustada foi por saber agora ou por saber que eu sabia? 
- Você sabia? 
- Aham... Eu só não tinha contado pra ninguém. 
- Eu acho que estou confuso... – Arthur não precisava ter dito, seu rosto demonstrava claramente o fato. 
- A gente dormiu junto, não se preveniu... Eu engravidei. Fiquei desconfiada cerca de um mês atrás, quando comecei a ficar enjoada e tendo tonturas constantemente, a minha menstruação estava atrasa. Eu fiz o exame de farmácia e tive a confirmação. O resto da história você já sabe... – Ela contou com os olhinhos marejados. 
- Você não pretendia contar? – Arthur estava visivelmente abalado também. 
- Você tinha que saber, era um direito seu... Mas a gente precisava voltar a se falar pra isso, né? – Ela deu de ombros – Eu não sei como seria, acho que você não estava preparado pra ser pai, eu tinha que ir com calma... Mas enfim, as coisas seguiram um rumo diferente do que eu imaginei... 
- Luinha... – Ele começou, olhando-a nos olhos e a apertando mais suas mãos – A sua força me impressiona, menina... Eu te admiro, eu realmente te admiro. 
- Valeu... – Ela sorriu, apoiando a cabeça no peito dele – Mas tem mais uma coisinha... 
- Eu tenho medo de perguntar “o quê”, mas... O quê? – Ele fechou os olhos como se isso fosse o impedir de ouvir. 
- Você gosta mesmo de mim? 
- Não tenha dúvidas. Eu amo você. 
- Isso é um problema, eu acho... – Ela segurou as lágrimas – Eu também te amo, Arthur, mas não nesse sentido. Eu acho que nunca vou me apaixonar novamente, o Chay foi único pra mim. Eu sei que deve estar sendo horrível pra ti ouvir isso, mas eu não quero mais mentiras entre a gente. E não quero perder sua amizade, mas não sei se isso é suficiente pra você... 
- Lembra que eu disse que tudo que me importava era sua felicidade? – Arthur falou simplesmente, segurando o rosto dela com as mãos e eles se encararam. Não importava onde, como ou com quem, ele só queria realmente vê-la feliz. Não seria fácil esquecê-la. Mas o verdadeiro amor supera qualquer coisa, até nunca ser correspondido. 
FIM

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